Fique por dentro das novidades
Inscreva-se em nossa newsletter para receber atualizações sobre novas resoluções, dicas de estudo e informações que vão fazer a diferença na sua preparação!
Um belo dia, não sei de que ano, uma linda fada, que chamareis como quiserdes, a poesia ou a imaginação, tomou-se de amores por um moço de talento, um tanto volúvel como de ordinário o são as fantasias ricas e brilhantes que se deleitam admirando o belo em todas as formas. Ora, dizem que as fadas não podem sofrer a inconstância, no que lhes acho toda a razão; e por isso a fada de meu conto, temendo a rivalidade dos anjinhos cá deste mundo, onde os há tão belos, tomou as formas de uma pena, pena de cisne, linda como os amores, e entregou-se ao seu amante de corpo e alma.
Não serei eu que desvendarei os mistérios desses amores fantásticos, e vos contarei as horas deliciosas que corriam no silêncio do gabinete, mudas e sem palavras. Só vos direi, e isto mesmo é confidência, que, depois de muito sonho e de muita inspiração, a pena se lançava sobre o papel, deslizava docemente, brincava como uma fada que era, bordando as flores mais delicadas, destilando perfumes mais esquisitos que todos os perfumes do Oriente. As folhas se animavam ao seu contato, a poesia corria em ondas de ouro, donde saltavam chispas brilhantes de graça e espírito.
Por fim, a desoras¹, quando já não havia mais papel, quando a luz a morrer apenas empalidecia as sombras da noite, a pena trêmula e vacilante caía sobre a mesa sem forças e sem vida, e soltava uns acentos doces, notas estremecidas como as cordas da harpa ferida pelo vento. Era o último beijo da fada que se despedia, o último canto do cisne moribundo.
Assim se passou muito tempo; mas já não há amores que durem sempre, principalmente em dias como os nossos, nos quais o símbolo da constância é uma borboleta. Acabou o poema fantástico no fim de dois anos; e um dia o herói do meu conto, chamado a estudos mais graves, lembrou-se de um amigo obscuro, e deu-lhe a sua pena de ouro.
(José de Alencar. Crônicas escolhidas, 1995.)
¹desoras: altas horas da noite.
A onisciência do narrador (ou seja, um conhecimento preciso e acabado dos eventos narrados) mostra-se prejudicada no seguinte trecho:
“As folhas se animavam ao seu contato, a poesia corria em ondas de ouro, donde saltavam chispas brilhantes de graça e espírito” (2º parágrafo).
“Só vos direi, e isto mesmo é confidência, que, depois de muito sonho e de muita inspiração, a pena se lançava sobre o papel” (2º parágrafo).
“a pena trêmula e vacilante caía sobre a mesa sem forças e sem vida, e soltava uns acentos doces” (3º parágrafo).
“Um belo dia, não sei de que ano, uma linda fada, que chamareis como quiserdes, a poesia ou a imaginação, tomou-se de amores” (1º parágrafo).
“um dia o herói do meu conto, chamado a estudos mais graves, lembrou-se de um amigo obscuro, e deu-lhe a sua pena de ouro” (4º parágrafo).
Quando afirma “não sei de que ano”, o narrador deixa evidente que não conhece precisamente todos os eventos da narração. Essa afirmação, portanto, prejudica sua onisciência.
Inscreva-se em nossa newsletter para receber atualizações sobre novas resoluções, dicas de estudo e informações que vão fazer a diferença na sua preparação!