Questão 1 - Conhecimentos Gerais - Santa Casa 2026

Gabarito

Questão 1

Objetiva
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Para responder às questões de 01 a 06, leia o capítulo intitulado “A borboleta preta” do romance Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis.

     No dia seguinte, como eu estivesse a preparar-me para descer, entrou no meu quarto uma borboleta [...]. A borboleta, depois de esvoaçar muito em torno de mim, pousou-me na testa. Sacudi-a, ela foi pousar na vidraça; e, porque eu a sacudisse de novo, saiu dali e veio parar em cima de um velho retrato de meu pai. Era negra como a noite. O gesto brando com que, uma vez posta, começou a mover as asas, tinha um certo ar escarninho, que me aborreceu muito. Dei de ombros, saí do quarto; mas tornando lá, minutos depois, e achando-a ainda no mesmo lugar, senti um repelão dos nervos, lancei mão de uma toalha, bati-lhe e ela caiu.
     Não caiu morta; ainda torcia o corpo e movia as farpinhas da cabeça. Apiedei-me; tomei-a na palma da mão e fui depô-la no peitoril da janela. Era tarde; a infeliz expirou dentro de alguns segundos. Fiquei um pouco aborrecido, incomodado.
     — Também por que diabo não era ela azul? disse comigo. E esta reflexão, — uma das mais profundas que se tem feito, desde a invenção das borboletas, — me consolou do malefício, e me reconciliou comigo mesmo. Deixei-me estar a contemplar o cadáver, com alguma simpatia, confesso. Imaginei que ela saíra do mato, almoçada e feliz. A manhã era linda. Veio por ali fora, modesta e negra, espairecendo as suas borboletices, sob a vasta cúpula de um céu azul, que é sempre azul, para todas as asas. Passa pela minha janela, entra e dá comigo. Suponho que nunca teria visto um homem; não sabia, portanto, o que era o homem; des-creveu infinitas voltas em torno do meu corpo, e viu que me movia, que tinha olhos, braços, pernas, um ar divino, uma estatura colossal. Então disse consigo: “Este é provavelmente o inventor das borboletas.” A ideia subjugou-a, aterrou-a; mas o medo, que é também sugestivo, insinuou-lhe que o melhor modo de agradar ao seu criador era beijá-lo na testa, e beijou-me na testa. Quando enxotada por mim, foi pousar na vidraça, viu dali o retrato de meu pai, e não é impossível que descobrisse meia verdade, a saber, que estava ali o pai do inventor das borboletas, e voou a pedir-lhe misericórdia.
     Pois um golpe de toalha rematou a aventura. Não lhe valeu a imensidade azul, nem a alegria das flores, nem a pompa das folhas verdes, contra uma toalha de rosto, dois palmos de linho cru. Vejam como é bom ser superior às borboletas! Porque, é justo dizê-lo, se ela fosse azul, ou cor de laranja, não teria mais segura a vida; não era impossível que eu a atravessasse com um alfinete, para recreio dos olhos. Não era. Esta última ideia restituiu-me a consolação; uni o dedo grande ao polegar, despedi um piparote e o cadáver caiu no jardim. Era tempo: aí vinham já as próvidas formigas… Não, volto à primeira ideia; creio que para ela era melhor ter nascido azul.

(Memórias póstumas de Brás Cubas, 2001.)

“— Também por que diabo não era ela azul? disse comigo.
E esta reflexão, — uma das mais profundas que se tem feito, desde a invenção das borboletas, — me consolou do malefício, e me reconciliou comigo mesmo.” (3o/4oparágrafos)

Tal reflexão aponta para

Alternativas

  1. A

    a ingenuidade do narrador, na medida em que este acredita que possa se reconciliar com a vítima.

  2. B

    o pessimismo do narrador, na medida em que este insiste em encarar negativamente um evento edificante.

  3. C

    a arrogância do narrador, na medida em que este assume a responsabilidade pelo ato impensado.

  4. D

    a humildade do narrador, na medida em que este busca encobrir a perversidade do mal praticado.

  5. E

    a prepotência do narrador, na medida em que este busca responsabilizar a vítima pelo mal sofrido.

Gabarito:
    E

Em Memórias póstumas de Brás Cubas, Machado de Assis constrói uma das figuras mais emblemáticas da literatura realista (e, por extensão, da literatura brasileira): a personagem Brás Cubas é a representação da elite branca escravocrata brasileira que, julgando-se superior pela sua posição social – homem, branco e rico – desfaz, ao longo de todo o enredo, de todas as pessoas que atravessam sua vida, sempre por achar-se superior.

No capítulo “A borboleta preta”, a arrogância fica evidente, uma vez que Brás atribui à vítima seu ato de crueldade, o de, por pura superstição, matar a borboleta, a qual julgara de mau agouro.

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