Redação - Prova Modelo A - AFA 2025

A prova da AFA, como nos últimos anos, destaca um dos pontos mais atuais da nossa contemporaneidade: a felicidade mostrada e a construção de sucesso na cultura das redes sociais representam a realidade vivida por seus usuários na hipermodernidade? Ou seja, convida à reflexão sobre a relação opressora das aparências nas redes sociais, principalmente em torno da ideia de felicidade – mesmo que tão artificial que chegue a irritar, como aponta o primeiro texto da coletânea ao retomar um dos episódios notórios da série Black Mirror.

Tanto a pergunta tema quanto seus textos de apoio em uníssono parecem deixar claro que a melhor tese seria uma resposta negativa. Afinal, se é mostrada e construída não é nem sentida, nem natural, respectivamente. Ainda, ao lermos todos os textos que compõem a prova de português, fica nítido que nenhum se posiciona de forma a defender as redes sociais ou a positivar os comportamentos em tal ecossistema. Sob esse viés, seria de uma interpretação arriscada tentar mostrar algo de positivo acerca da temática.

Nesse sentido, os textos de apoio apontam possibilidades interessantes para a reflexão do candidato, passando pela produção audiovisual mencionada – cujo capítulo aborda uma distopia em que avaliamos nossos iguais, outros seres humanos, da mesma maneira que avaliamos nossos pedidos em aplicativos de delivery, com a diferença de não sermos meras refeições. Logo, por causa de tal sistema, todos fingem o tempo todo, para não receberem poucas estrelas e, com isso, não serem, por exemplo, impossibilitadas de entrar em algum local por causa de seu rating.

O texto 2 trazia a visão mais acadêmica sobre o tema, a partir de um grupo liderado por um antropólogo. Constatou-se que a felicidade é fabricada nas redes a fim de vender produtos que prometam oferecer tal sentimento, ao mesmo tempo que quanto mais se consome conteúdos de redes, mais infelizes as pessoas estão. Dessa forma, a teoria da indústria cultural proposta pela escola de Frankfurt poderia ser um repertório externo a ser mencionado para explicar como e por que se cria essa situação. Ainda, apresentavam-se dados estatísticos sobre os usuários, os quais os candidatos poderiam utilizar como evidência em seus argumentos de que não se vive de fato a tal felicidade mostrada nas redes. 

A segunda parte da prova trazia reflexões de base artística. Uma música de Gilberto Gil e um resumo do conto “O espelho”, de Machado de Assis, eram apresentados. Na canção, destaca-se a ideia da ambiguidade entre virtualidade e realidade, com um mar de informações (infomar) que pode afundar o usuário ao ser uma maré (infomaré) – ou seja, o excesso de conteúdo que parece positivo como o mar, pode deixar o usuário perdido, confuso, contribuindo justamente para seu “afogamento”. Já a narrativa consolida a crítica mais típica da obra machadiana: a aparência em nossa sociedade acaba com a nossa interioridade por valer mais, nos dar “contorno” ou “forma” a partir de como somos reconhecidos, dos rótulos que recebemos, do status que adquirirmos pelo que vestimos, por exemplo. A alma exterior engole a interior. No fim, nunca foram duas, mas uma que domina e determina a sociedade de valores burgueses – tese prototípica do Realismo. 

Para auxiliar a entender essa crítica machadiana, os últimos textos apresentavam-se com uma ilustração para o conto e um trecho pautado na análise do crítico literário Alfredo Bosi, considerado um dos maiores especialistas na obra de Machado. Ambos consolidam a ideia mencionada que, aplicada às redes, determina a vida a partir das postagens, engajamentos, likes como sendo mais relevantes do que a própria experiência, personalidade e subjetividade dos indivíduos.