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TEXTO V
O Espelho
O Espelho deu vida ao personagem Jacobina, descrito
como um homem calado, "[...] entre quarenta e cinquenta
anos, era provinciano, capitalista, inteligente, não sem
instrução, e, ao que parece, astuto e cáustico", que
5 rotineiramente se reunia com outros quatro homens em uma
casa no morro de Santa Teresa a fim de discutir grandes
questões da natureza humana. O dia a que temos acesso
pelo conto é atípico, pois Jacobina decide sair de seu
silêncio a fim de provar um argumento contrário ao dos seus
10 companheiros. Para ele, todos possuem duas almas, ao
invés de apenas uma, sendo uma interior e outra exterior,
esta última, possível de se alterar, e sua ideia se sustenta
por um relato pessoal.
"Está claro que o ofício dessa segunda alma é
15 transmitir a vida, como a primeira; as duas completam o
homem, que é, metafisicamente falando, uma laranja. Quem
perde uma das metades, perde naturalmente metade da
existência; e casos há, não raros, em que a perda da alma
exterior implica a da existência inteira".
20 Jacobina conta que, aos 25 anos, após ser nomeado
alferes da Guarda Nacional, obteve tratamento diferenciado
diante daqueles que o conheciam, e que inclusive, exigiam
que ele fosse apresentado como alguém com maior
importância. Um dia, devido ao tratamento único, foi
25 colocado em seu quarto um espelho, antigo e herdado por
gerações. A combinação de todos esses atos, segundo o
dono do relato, tornou-o apenas uma de suas almas.
"O alferes eliminou o homem. Durante alguns dias as
duas naturezas equilibraram-se; mas não tardou que a
30 primitiva cedesse à outra; ficou-me uma parte mínima de
humanidade. Aconteceu então que a alma exterior, que era
dantes o sol, o ar, o campo, os olhos das moças, "Cada
criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de
dentro para fora, outra que olha de fora para dentro..."
35 Com o passar do tempo, as dores de seus conhecidos
não despertavam nele empatia, e a ele tudo o que importava
era seu próprio cargo de alferes. Um dia, deixado sozinho
na casa, os escravos aproveitaram para organizar uma
fuga, e a solidão o tomou. Lidar consigo mesmo era,
40 naquele momento, o pior que poderia ter acontecido. Com o
passar dos dias e as tentativas de escapar de sua própria
companhia, Jacobina decidiu pela primeira vez desde o
ocorrido, se olhar no espelho, e a imagem que viu ali
refletida era apenas uma sombra. Quando por fim, decidiu
45 vestir-se com seu uniforme, foi capaz de ver seu reflexo
completo.
"Cada dia, a uma certa hora, vestia-me de alferes, e
sentava-me diante do espelho, lendo, olhando, meditando;
no fim de duas, três horas, despia-me outra vez. Com este
50 regime pude atravessar mais seis dias de solidão sem os
sentir..."
Figura 1 - Disponível em: https://vestibular.brasilescola.uol.com.br/resumosde-livros/analise-de-o-espelho-de-machado-de-assis.htm Acesso em: 18 de março de 2024
De acordo com o pesquisador Alfredo Bosi, da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo, a divisão da alma citada por
55 Jacobina "[...] passa a ser não mais uma entidade espiritual,
una e indivisível, mas tão só um polo dominado por objetos
de interesse que atraem o eu como poderosos ímãs,
estímulos de vida, numa palavra, desejos. A alma interior
se entrega à imagem do objeto querido".
60 O Espelho usa da teoria das duas almas para
simbolizar o poder que as aparências exercem na
sociedade, sendo o indivíduo, muitas vezes, menosprezado
se não possuir um cargo alto e de destaque. Em linhas
gerais, Jacobina é Narciso recriado por Machado de Assis.
65 Mudou de natureza, e passou a ser a cortesia e os rapapés
da casa, tudo o que me falava do posto, nada do que me
falava do homem. A única parte do cidadão que ficou
comigo foi aquela que entendia com o exercício da patente;
a outra dispersou-se no ar e no passado."
(QUERIDO CLÁSSICO. O Espelho. Disponível em:
https://www.queridoclassico.com/2020/08/o-espelho-por-machado-de-assis.html Acesso em: 18 de março de 2024).
De acordo com o texto V, pode-se afirmar que:
o relato da experiência vivida por Jacobina enfatiza que é imprescindível a qualquer indivíduo, primeiramente, conhecer a si mesmo, sua alma interior, a fim de transformá-la e fortalecê-la. Posteriormente, (des)construir sua alma exterior.
a nomeação como alferes da Guarda Nacional alterou significativamente a percepção que Jacobina tinha de si mesmo e a forma como os outros o viam. Nesse contexto, o espelho, de singular importância, assim como Jacobina, refletia apenas uma de suas almas.
Jacobina relata que uma das almas foi dispersa no ar, corroborando a ideia defendida: dualidade de almas. Tal ideia é justificada pelo fato de os desejos atraírem a alma exterior, fazendo-a ser entregue ao objeto estimado.
de acordo com Jacobina, raríssimos são os casos em que a existência é perdida ao tornar nula a alma exterior, uma vez que, para a existência inteira ser perdida, basta perder uma das metades, seja a alma interior ou exterior.
A alegoria do espelho apresentada no texto revela que todos os homens são formados por duas versões de si: uma relacionada a sua essência, como seu caráter e inclinação para a bondade, por exemplo, e outra relacionada àquilo que esse homem mostra ao mundo, como sua posição social ou função de trabalho. Nesse sentido, a leitura crítica da mensagem tematizada pela personagem Jacobina revela que seu cargo passou a influenciar diretamente sua relação com o mundo, ocultando sua verdadeira essência.
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