Questão 14 - Prova Modelo A - AFA 2025

Gabarito

Questão 14

Objetiva
14

TEXTO V

O Espelho

              O Espelho deu vida ao personagem Jacobina, descrito
       como um homem calado, "[...] entre quarenta e cinquenta
       anos, era provinciano, capitalista, inteligente, não sem
       instrução, e, ao que parece, astuto e cáustico", que
 5    rotineiramente se reunia com outros quatro homens em uma
       casa no morro de Santa Teresa a fim de discutir grandes
       questões da natureza humana. O dia a que temos acesso
       pelo conto é atípico, pois Jacobina decide sair de seu
       silêncio a fim de provar um argumento contrário ao dos seus
10   companheiros. Para ele, todos possuem duas almas, ao
       invés de apenas uma, sendo uma interior e outra exterior,
       esta última, possível de se alterar, e sua ideia se sustenta
       por um relato pessoal.
              "Está claro que o ofício dessa segunda alma é
15   transmitir a vida, como a primeira; as duas completam o
       homem, que é, metafisicamente falando, uma laranja. Quem
       perde uma das metades, perde naturalmente metade da
       existência; e casos há, não raros, em que a perda da alma
       exterior implica a da existência inteira".
20         Jacobina conta que, aos 25 anos, após ser nomeado
       alferes da Guarda Nacional, obteve tratamento diferenciado
       diante daqueles que o conheciam, e que inclusive, exigiam
       que ele fosse apresentado como alguém com maior
       importância. Um dia, devido ao tratamento único, foi
25   colocado em seu quarto um espelho, antigo e herdado por
       gerações. A combinação de todos esses atos, segundo o
       dono do relato, tornou-o apenas uma de suas almas.
              "O alferes eliminou o homem. Durante alguns dias as
       duas naturezas equilibraram-se; mas não tardou que a
30   primitiva cedesse à outra; ficou-me uma parte mínima de
       humanidade. Aconteceu então que a alma exterior, que era
       dantes o sol, o ar, o campo, os olhos das moças, "Cada
       criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de
       dentro para fora, outra que olha de fora para dentro..."
35          Com o passar do tempo, as dores de seus conhecidos
       não despertavam nele empatia, e a ele tudo o que importava
       era seu próprio cargo de alferes. Um dia, deixado sozinho
       na casa, os escravos aproveitaram para organizar uma
       fuga, e a solidão o tomou. Lidar consigo mesmo era,
40   naquele momento, o pior que poderia ter acontecido. Com o
       passar dos dias e as tentativas de escapar de sua própria
       companhia, Jacobina decidiu pela primeira vez desde o
       ocorrido, se olhar no espelho, e a imagem que viu ali
       refletida era apenas uma sombra. Quando por fim, decidiu
45   vestir-se com seu uniforme, foi capaz de ver seu reflexo
       completo.
              "Cada dia, a uma certa hora, vestia-me de alferes, e
       sentava-me diante do espelho, lendo, olhando, meditando;
       no fim de duas, três horas, despia-me outra vez. Com este
50  regime pude atravessar mais seis dias de solidão sem os
       sentir..."

Figura 1 - Disponível em: https://vestibular.brasilescola.uol.com.br/resumosde-livros/analise-de-o-espelho-de-machado-de-assis.htm Acesso em: 18 de março de 2024

              De acordo com o pesquisador Alfredo Bosi, da
       Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
       Universidade de São Paulo, a divisão da alma citada por
55   Jacobina "[...] passa a ser não mais uma entidade espiritual,
       una e indivisível, mas tão só um polo dominado por objetos
       de interesse que atraem o eu como poderosos ímãs,
       estímulos de vida, numa palavra, desejos. A alma interior
       se entrega à imagem do objeto querido".
60          O Espelho usa da teoria das duas almas para
       simbolizar o poder que as aparências exercem na
       sociedade, sendo o indivíduo, muitas vezes, menosprezado
       se não possuir um cargo alto e de destaque. Em linhas
       gerais, Jacobina é Narciso recriado por Machado de Assis.
65   Mudou de natureza, e passou a ser a cortesia e os rapapés
       da casa, tudo o que me falava do posto, nada do que me
       falava do homem. A única parte do cidadão que ficou
       comigo foi aquela que entendia com o exercício da patente;
       a outra dispersou-se no ar e no passado."

(QUERIDO CLÁSSICO. O Espelho. Disponível em:
https://www.queridoclassico.com/2020/08/o-espelho-por-machado-de-assis.html Acesso em: 18 de março de 2024).

Considerando o texto V e sua relação com os demais textos presentes nesta prova, assinale a assertiva correta.

Alternativas

  1. A

    Trecho 1: “Um dia, devido ao tratamento único, foi colocado em seu quarto um espelho, antigo e herdado por gerações. A combinação de todos esses atos, segundo o dono do relato, tornou-o apenas uma de suas almas.” (l{"fontSize":"16px","fontFamily":"Arial"}. 24 a 27 - texto V)
    Trecho 2: “O que a sua come? / Exaltação do meu ego, tempo, reclamações, livros que não li, e coisas que não sou.” (quadrinhos 2 e 3 - texto IV)
    O trecho 1 refuta o trecho 2.

  2. B

    Trecho 1: “Com o passar do tempo, as dores de seus conhecidos não despertavam nele empatia, e a ele tudo o que importava era seu próprio cargo de alferes.” (l{"fontSize":"16px","fontFamily":"Arial"}. 35 a 37 - texto V)
    Trecho 2: “Em Black Mirror, as pessoas agem de forma correta umas com as outras, com uma gentileza que nos incomoda porque, afinal, sabemos ser um egoísmo fictício e puro. Elas não tentam ajudar ou apoiar, mas melhorar sua própria imagem.” (l{"fontSize":"16px","fontFamily":"Arial"}. 19 a 23 – texto I) 
    O trecho 1 ratifica o trecho 2.

  3. C

    Trecho 1: “‘Cada dia, a uma certa hora, vestia-me de alferes, e sentava-me diante do espelho, lendo, olhando, meditando; no fim de duas, três horas, despia-me outra vez. Com este regime pude atravessar mais seis dias de solidão sem os sentir...’” (l{"fontSize":"16px","fontFamily":"Arial"}. 47 a 51 - texto V)
    Trecho 2: “[...] a velha história de ‘plantar e colher’ foi substituída pelo postar, numa espécie de tirania da positividade, que no fundo deixa a sensação de as pessoas terem sempre de estar correndo atrás nesse páreo [...].” (l{"fontSize":"16px","fontFamily":"Arial"}. 24 a 28 - texto II)
    O trecho 1 justifica o trecho 2.

  4. D

    Trecho 1: “‘Está claro que o ofício dessa segunda alma é transmitir a vida, como a primeira; as duas completam o homem, que é, metafisicamente falando, uma laranja.’[...].” (l{"fontSize":"16px","fontFamily":"Arial"}. 14 a 16 - texto V)
    Trecho 2:
    “Eu quero entrar na rede
    Promover um debate
    Juntar via Internet
    Um grupo de tietes de Connecticut.”
    (l{"fontSize":"16px","fontFamily":"Arial"}. 21 a 24 - texto III)
    O trecho 1 retifica o trecho 2.

Gabarito:
    B

O segundo trecho ilustra como, na distopia apresentada, o comportamento social das pessoas se relaciona tão somente à necessidade de transmitir aos demais uma imagem de bondade e altruísmo. Nesse sentido, os sofrimentos alheios não têm importância alguma – qualquer interação de auxílio se baseia apenas no interesse de moldar a própria imagem aos demais. Com isso, é possível afirmar que esse trecho dialoga com o primeiro, tendo em vista que a posição social exercida por Jacobina exigia que ele gerenciasse seus subalternos, embora não houvesse qualquer empatia pelo sofrimento dos subordinados.  

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