Questão 15 - Prova Modelo A - AFA 2025

Gabarito

Questão 15

Objetiva
15

TEXTO V

O Espelho

              O Espelho deu vida ao personagem Jacobina, descrito
       como um homem calado, "[...] entre quarenta e cinquenta
       anos, era provinciano, capitalista, inteligente, não sem
       instrução, e, ao que parece, astuto e cáustico", que
 5    rotineiramente se reunia com outros quatro homens em uma
       casa no morro de Santa Teresa a fim de discutir grandes
       questões da natureza humana. O dia a que temos acesso
       pelo conto é atípico, pois Jacobina decide sair de seu
       silêncio a fim de provar um argumento contrário ao dos seus
10   companheiros. Para ele, todos possuem duas almas, ao
       invés de apenas uma, sendo uma interior e outra exterior,
       esta última, possível de se alterar, e sua ideia se sustenta
       por um relato pessoal.
              "Está claro que o ofício dessa segunda alma é
15   transmitir a vida, como a primeira; as duas completam o
       homem, que é, metafisicamente falando, uma laranja. Quem
       perde uma das metades, perde naturalmente metade da
       existência; e casos há, não raros, em que a perda da alma
       exterior implica a da existência inteira".
20         Jacobina conta que, aos 25 anos, após ser nomeado
       alferes da Guarda Nacional, obteve tratamento diferenciado
       diante daqueles que o conheciam, e que inclusive, exigiam
       que ele fosse apresentado como alguém com maior
       importância. Um dia, devido ao tratamento único, foi
25   colocado em seu quarto um espelho, antigo e herdado por
       gerações. A combinação de todos esses atos, segundo o
       dono do relato, tornou-o apenas uma de suas almas.
              "O alferes eliminou o homem. Durante alguns dias as
       duas naturezas equilibraram-se; mas não tardou que a
30   primitiva cedesse à outra; ficou-me uma parte mínima de
       humanidade. Aconteceu então que a alma exterior, que era
       dantes o sol, o ar, o campo, os olhos das moças, "Cada
       criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de
       dentro para fora, outra que olha de fora para dentro..."
35          Com o passar do tempo, as dores de seus conhecidos
       não despertavam nele empatia, e a ele tudo o que importava
       era seu próprio cargo de alferes. Um dia, deixado sozinho
       na casa, os escravos aproveitaram para organizar uma
       fuga, e a solidão o tomou. Lidar consigo mesmo era,
40   naquele momento, o pior que poderia ter acontecido. Com o
       passar dos dias e as tentativas de escapar de sua própria
       companhia, Jacobina decidiu pela primeira vez desde o
       ocorrido, se olhar no espelho, e a imagem que viu ali
       refletida era apenas uma sombra. Quando por fim, decidiu
45   vestir-se com seu uniforme, foi capaz de ver seu reflexo
       completo.
              "Cada dia, a uma certa hora, vestia-me de alferes, e
       sentava-me diante do espelho, lendo, olhando, meditando;
       no fim de duas, três horas, despia-me outra vez. Com este
50  regime pude atravessar mais seis dias de solidão sem os
       sentir..."

Figura 1 - Disponível em: https://vestibular.brasilescola.uol.com.br/resumosde-livros/analise-de-o-espelho-de-machado-de-assis.htm Acesso em: 18 de março de 2024

              De acordo com o pesquisador Alfredo Bosi, da
       Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
       Universidade de São Paulo, a divisão da alma citada por
55   Jacobina "[...] passa a ser não mais uma entidade espiritual,
       una e indivisível, mas tão só um polo dominado por objetos
       de interesse que atraem o eu como poderosos ímãs,
       estímulos de vida, numa palavra, desejos. A alma interior
       se entrega à imagem do objeto querido".
60          O Espelho usa da teoria das duas almas para
       simbolizar o poder que as aparências exercem na
       sociedade, sendo o indivíduo, muitas vezes, menosprezado
       se não possuir um cargo alto e de destaque. Em linhas
       gerais, Jacobina é Narciso recriado por Machado de Assis.
65   Mudou de natureza, e passou a ser a cortesia e os rapapés
       da casa, tudo o que me falava do posto, nada do que me
       falava do homem. A única parte do cidadão que ficou
       comigo foi aquela que entendia com o exercício da patente;
       a outra dispersou-se no ar e no passado."

(QUERIDO CLÁSSICO. O Espelho. Disponível em:
https://www.queridoclassico.com/2020/08/o-espelho-por-machado-de-assis.html Acesso em: 18 de março de 2024).

Observe o trecho abaixo, extraído do texto V:

“Quando por fim, decidiu vestir-se com seu uniforme, foi capaz de ver seu reflexo completo.” (l{"fontSize":"16px","fontFamily":"Arial"}. 44 a 46).

Julgue as afirmativas abaixo em relação à colocação pronominal.

  1. O trecho não poderia ser reescrito como “Quando por fim, decidiu se vestir com seu uniforme, foi capaz de ver seu reflexo completo”, pois incorreria em erro gramatical.

  2. O trecho poderia ser reescrito como “Quando por fim, decidiu-se vestir com seu uniforme, foi capaz de ver seu reflexo completo” sem incorrer em erro gramatical.

  3. O trecho poderia ser reescrito como “Quando por fim, se decidiu vestir com seu uniforme, foi capaz de ver seu reflexo completo” sem incorrer em erro gramatical.”

A partir da análise das afirmativas, assinale a alternativa correta.

Alternativas

  1. A

    Todas estão incorretas.

  2. B

    Apenas uma está correta.

  3. C

    Apenas duas estão corretas.

  4. D

    Todas estão corretas.

Gabarito:
    C

Afirmativa I: correta. Em locuções verbais com o verbo principal no infinitivo, tal como ocorre no trecho citado no enunciado, sem termo de atração, duas são as possibilidades de colocação pronominal: ênclise ao infinitivo (Quando por fim, decidiu vestir-se...) e ênclise ao auxiliar (Quando por fim, decidiu-se vestir...). Não havendo um termo de atração, o pronome não pode ser empregado antes do verbo principal, tal como ocorre na proposta da afirmativa I: “Quando por fim, decidiu se vestir”. A afirmativa I está correta quando diz que a reescrita incorreria em erro gramatical. 

Afirmativa II: correta. Dado o que foi dito na justificativa anterior, a reescrita do trecho pode, sim, ocorrer da seguinte maneira: "Quando por fim, decidiu-se vestir".

Afirmativa III: incorreta. Uma vez que pontuações, de um modo geral, repelem pronomes, a vírgula empregada no trecho citado impediria a sua reescrita, empregando o pronome “se” na posição proclítica em relação ao verbo auxiliar “decidiu”, sendo, portanto, agramatical a construção “Quando por fim, se decidiu vestir.”.

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