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1 Solange, a prima que adora falar difícil, vai ficar muito contrariada se você disser que ela é uma chata.
Talvez o seja mesmo, admite, sempre impecável na colocação dos pronomes — mas está acima de suas forças tolerar que para qualificá-la se lance mão, ainda que no feminino, de substantivo tão vulgar, assimilando-a ao inseto anopluro da família dos ftiriídeos que tem por habitat preferencial o púbis humano; sim, ele mesmo, o infernal carrapatinho também conhecido como carango, ladro, piolho-das-virilhas, piolho-do-púbis ou piolho-ladro e, entre os cientistas, como Pthirus pubis.
A Solange, portanto, em sua solanjal chatice, prefere que a chamem de maçante ou maçadora, como se usava dizer no tempo de seus pais. Quando também se dizia, aliás, que fulano ou fulana era “pau”, mas este a prima não quer que se lhe apliquem.
Na casa onde a Solange se criou, já faz tempo, a palavra “chato” fazia companhia aos mais nefandos palavrões na lista daquilo que não se podia dizer. E quem zelava pela assepsia vocabular, censor implacável, era o tio Américo. Mesmo a Solange reconhece que o pai, serventuário da Justiça, extrapolava na macaqueação da fauna e do jargão forense, que tanto admirava, e até ia além, cravejando sua fala ribombante com profusão de pronomes descabidos.
5 Eu estava lá, meninote, no dia em que um dos primos lhe
pediu um par de velhas abotoaduras, pedido que o tio Américo,
na cabeceira da mesa, indeferiu nestes termos:
— Não lhas dou porque já não lhas tenho, e mesmo que ainda lhas tivesse, não lhas daria!
Ousasse alguém, na sua presença, dizer “esculhambar”, palavra que aos ouvidos do pai da Solange remetia a recônditos berloques da anatomia masculina. [...] Já o avô Manuel, natural dos Açores, ao se encaminhar para o banheiro [...], costumava anunciar, sem que lhe houvessem perguntado, que estava indo “dar de corpo”, como se diz em sua terra natal. Em certas regiões do Sul do Brasil, aprendemos depois, a mesma operação se chama — do ponto de vista das calças, imagino — “ir aos pés”.
(Humberto Werneck. Sonhos rebobinados, 2014.)
Está empregado como pronome apassivador o termo sublinhado em:
“Já o avô Manuel, natural dos Açores, ao se encaminhar para o banheiro [...], costumava anunciar, sem que lhe houvessem perguntado, que estava indo ‘dar de corpo’” (7º parágrafo).
“Solange, a prima que adora falar difícil, vai ficar muito contrariada se você disser que ela é uma chata” (1º parágrafo).
“Na casa onde a Solange se criou, já faz tempo, a palavra ‘chato’ fazia companhia aos mais nefandos palavrões na lista daquilo que não se podia dizer” (4º parágrafo).
“Quando também se dizia, aliás, que fulano ou fulana era ‘pau’, mas este a prima não quer que se lhe apliquem” (3º parágrafo).
“Já o avô Manuel, natural dos Açores, ao se encaminhar para o banheiro [...], costumava anunciar, sem que lhe houvessem perguntado, que estava indo ‘dar de corpo’” (7º parágrafo).
Para o pronome “se” ser apassivador, o verbo que ele acompanha deve ser transitivo direto e a oração deve ter a possibilidade de ser colocada na voz passiva analítica. No trecho “daquilo que não se podia dizer”, o verbo “dizer” é transitivo direto e é possível escrever a frase como “não podia ser dito”; portanto, trata-se de um pronome apassivador.
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