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REDAÇÃO
Segundo o portal Agência Gov do Planalto, a escolha da Base Aérea de Fortaleza para sediar os novos cursos do ITA é privilegiada, por ser o Nordeste o maior produtor nacional de energias renováveis. Vislumbra-se a ampliação da capacidade científica e de desenvolvimento industrial do Brasil, a partir de cursos promissores e alinhados com a estratégia de sustentabilidade do país e a inovação. Essa estratégia se alinha aos temas defendidos pelo Brasil na condução rotativa do G20, desde 1º de dezembro de 2023, com mandato de um ano. São eles: combate à fome, pobreza e desigualdade; reforma da governança global; e desenvolvimento sustentável. Considerando todo o potencial brasileiro no cenário mundial, sobretudo no cumprimento da agenda 2030 da ONU, redija um texto dissertativo-argumentativo, em norma-padrão da língua portuguesa, sobre o tema:
“O papel da Engenharia na construção de um mundo justo e um planeta sustentável”.
Instruções específicas:
1. Dê um título à dissertação.
2. O texto deve ter de 25 a 35 linhas.
TEXTO I
[...] as engenharias voltadas ao serviço das classes populares ou grupos em vulnerabilidade foram agrupadas sob o conceito de Engenharias Engajadas (EE). O termo tem a pretensão de abranger diversas iniciativas de engenharias bem distintas, mas que têm em comum a “ênfase em projetos com impacto real na vida de grupos sociais marginalizados” e o “compromisso com a superação da pobreza e promoção da emancipação econômica”. [...]
No Brasil, a rede Engenheiros Sem Fronteiras (ESF) é uma organização sem fins lucrativos, articulada em núcleos distribuídos por cidades, formada exclusivamente por voluntárias/os e reconhecida no terceiro setor por promover ações de desenvolvimento local. [...] Nos 30 projetos que o ESF Brasil identifica como os de maior destaque na rede, quatro dos dezessete ODS definidos pela ONU são os que mais aparecem nos projetos. Eles são: “Construir infraestruturas robustas, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação” (ODS 9) - 53% dos projetos; “Assegurar a educação inclusiva e equitativa de qualidade e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos” (ODS 4) - 30 %; “Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resistentes e sustentáveis” (ODS 11) - 30%; e “Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades” (ODS 3) - 27%.
Fonte: CRUZ, CC; RUFINO, S.; ALVEAR, CAS d.; & OLIVEIRA, PPT d. (2022). Engenharias engajadas: a engenharia humanitária e a pluralidade dos engenheiros sem fronteiras. Revista Tecnologia e Sociedade. Disponível em https://doi.org/10.3895/rts.v18n50.14670. Adaptado.
TEXTO II
O Laboratório de Cidadania e Tecnologias Sociais (LabCTS) do ITA visa pesquisar e implementar novos conceitos e práticas no Ensino de Engenharia integrando Ensino, Pesquisa e Extensão nas áreas da inovação social e da criatividade colaborativa. [...]
O interesse de pesquisa incide sobre a relação entre elementos técnicos e não técnicos (humanos e sociais), no plano geral nas relações entre Estado, mercado e sociedade civil, e no plano específico na elaboração e avaliação de projetos e ações de engenharia. Especial interesse reside na resolução de problemas sociais, na inovação social e na avaliação de políticas públicas. Parte-se de reflexões críticas de múltiplas fontes teóricas, visando à busca de um desenvolvimento sustentável, centrado no bem-estar humano, na justiça social e na inclusão, e atuando a partir dos conceitos de Tecnologia Social, Engenharia Engajada, Pesquisa Ação e Design Thinking.
Fonte: LABORATORIO DE CIDADANIA E TECNOLOGIAS SOCIAIS. [S.l.], [SD]. Disponível em: https://www.labcts.org/sobre.
TEXTO III
A engenharia pode desempenhar papel de destaque em seu próprio futuro? Como os engenheiros podem compatibilizar o desenvolvimento sustentável com as demandas da sociedade? Como os futuros engenheiros podem ser formados capazes de promover soluções aos problemas oriundos da globalização sem comprometer o bem-estar da sociedade? A engenharia será vista como uma área do conhecimento que forma cidadãos politizados, responsáveis socioambientalmente e provedores de soluções mais criativas e sustentáveis? A partir de 2020 a 2050, estaremos imersos na era da sustentabilidade, e as soluções de engenharia estarão voltadas às soluções globais e locais.
Fonte: INEIA, A.; TURCHETTI, R. C.; FILHO, W. P.; DULLIUS, Â. I. d. S.; & ELLENSOHN, R. M. (2023). As visões globais e perspectivas futuras no ensino da sustentabilidade na engenharia. Educação Em Revista. Disponível em: https://doi.org/10.1590/0102-469841308. Adaptado.
TEXTO IV
Cidades inteligentes, democráticas e sustentáveis são espaços dinâmicos, onde a inovação tecnológica reforça e contribui para a construção coletiva de políticas públicas em áreas como mobilidade urbana, saneamento básico, seguridade alimentar, gestão energética e tratamento de resíduos, segurança e prevenção de desastres com base em princípios como transparência, centralidade humana e acessibilidade. [...]
As Cidades Inteligentes, Democráticas e Sustentáveis representam, portanto, a síntese evolutiva em que os valores humanos são incorporados no tecido tecnológico urbano. Este conceito agregador não apenas aprimora a eficiência, mas reflete uma visão onde a tecnologia e os valores democráticos forjam comunidades urbanas mais justas, inclusivas, sustentáveis, resilientes e centradas no ser humano.
Fonte: BLANCHET, Atahualpa. Cidades inteligentes, democráticas e sustentáveis: o legado do G20 no Brasil. G20 Brasil 2024, 24 jan. 2024. Disponível em: https://www.g20.org/ptbr/noticias/cidades-inteligentes-democraticas-e-sustentaveis-o-legado-do-g20-no-brasil.
TEXTO V
A utilização de lenha para cozinhar em aproximadamente 13 milhões de lares brasileiros em 2022 levanta preocupações prementes quanto ao seu impacto multifacetado nos principais indicadores de desenvolvimento. Esse impacto decorre da profunda ligação entre o acesso a fontes de energia modernas e os direitos fundamentais, incluindo educação, saúde, habitação e lazer. Apesar da notável diversidade da matriz energética do Brasil, a distribuição equitativa desse recurso essencial continua a ser um desafio persistente e significativo. Essa desigualdade no acesso à energia sublinha a necessidade urgente de uma análise e intervenção abrangentes. [...]
A distribuição equitativa de energia não é apenas uma questão de sustentabilidade ambiental, mas também um direito humano fundamental, fundamental para o progresso social e econômico.
Fonte: SERGIO, Hocevar Luciano et al. Pobreza energética no Brasil: uma análise sistemática. Desenvolvimento Social Sustentável. [Sl], v. 1, pág. 2366, dez. 2023. Disponível em: https://aber.apacsci.com/index.php/ SSD/article/view/2366. Adaptado.
TEXTO VI
No Brasil, ainda não existe uma definição oficial de pobreza energética, o que reflete na ausência de indicadores que descrevam o problema e, consequentemente, limitam a implementação de programas e políticas adequadas para a sua mitigação. [...] Com base na última edição da Pesquisa de Orçamentos Familiares (2017-2018), o índice proposto para o Brasil inclui indicadores sobre o uso de combustíveis para cozinhar, a percepção de qualidade do fornecimento de energia elétrica, a disponibilidade do serviço de eletricidade, variáveis relacionadas com a posse de bens que permitem o uso da energia elétrica e a capacidade de pagamento das contas de energia. Os resultados apontam que 11.5% dos domicílios analisados no Brasil são pobres energéticos multidimensionais. A intensidade das privações foi de 31.9% e o MEPI - Índice de Pobreza Energética Multidimensional - alcançou valores de 4.6%. No meio rural, os índices de pobreza energética são expressivos se comparados com o meio urbano.
Fonte: Fonte: POVEDA, Yormy Eliana Melo; LOSEKANN, Luciano Dias; SILVA, Niágara Rodrigues da Silva. Medindo a pobreza energética no Brasil: uma proposta fundamentada no Índice de Pobreza Energética Multidimensional (MEPI). In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA, ANPEC, 49º, Área 12, 2021. [S.L.]. Anais, 2021. Disponível em: https://en.anpec.org.br/previous-editions.php.
A prova de redação do ITA de 2025 demonstrou-se coerente e atual ao se debruçar sobre um dos grandes questionamentos deste ano: “O papel da Engenharia na construção de um mundo justo e sustentável”. Conforme a própria coletânea expôs, o tema vem ganhando destaque justamente por conta da agenda da ONU de 2030 – com metas relacionadas, em especial, ao meio ambiente e a grupos socialmente marginalizados pela pobreza – além da criação do novo campus da instituição, no qual se abrirá o curso de Engenharia das Energias Renováveis. De forma similar à discussão atual, o debate envolve desde suas implicações mais práticas e concretas até as mais filosóficas e existenciais.
Para escrever a redação, era preciso considerar seis textos, todos do gênero acadêmico, componentes da coletânea que compunham a proposta junto de seu enunciado. Assim, trata-se de uma prova que sugere uma interpretação interseccionada entre eles.
Antes disso, o próprio candidato poderia buscar questionamentos mais aprofundados que o guiassem em seu projeto de texto e leitura interpretativa ao analisar a pergunta-tema:
1. O papel da Engenharia se dá em que áreas sociais (econômica, política, social, educacional etc.)? Quanto da Engenharia é considerado pela política mundial hoje e quanto é ignorado nas decisões governamentais?
2. A engenharia se restringe a um método para medidas, resultados e criações ou pode influenciar as ações políticas mundiais?
3. Nesse sentido, o papel hoje assumido pela Engenharia é justo ou injusto do ponto de vista de certos grupos sociais?
4. Sobre quais vieses é possível abordar a dimensão de tal papel? Da ética, do sistema, do indivíduo engenheiro?
Nesse sentido, o texto II traz mais um exemplo, agora do próprio ITA, de Engenharia Engajada: o Laboratório de Cidadania e Tecnologias Sociais (LabCTS). Não deveria ser novidade para o candidato ao ITA que a instituição tem preocupação notória com valores éticos desde a sua formação. Assim, fica claro que a tese deveria buscar a sustentabilidade associada diretamente ao objetivo de reparação das opressões sociais, na medida em que também entende que o sistema não necessariamente irá apoiar tais iniciativas, as quais, por isso, acabam ficando sem financiamento (voluntárias), ou por conta da iniciativa de uma instituição pública (sem fins lucrativos).
Já o texto III se compunha majoritariamente de questionamentos que podem contribuir para construir tese e linhas de raciocínio que busquem respondê-los. Talvez a mais significativa da sequência e que sintetize a prova deste ano seja: “A Engenharia será vista como uma área do conhecimento que forma cidadãos politizados, responsáveis socioambientalmente e provedores de soluções mais criativas e sustentáveis?”. Para responder a essa pergunta, o candidato precisa considerar o jogo oposto de forças (representado nos objetivos de produção, consumo e lucro estruturados no sistema capitalista) e os ideais éticos norteadores da ciência íntegra em instituições que buscam a ética da justiça social como valor fundamental. É preciso notar que a proposta deixa também explícito – tanto no texto II quanto no III – que não há ciência neutra ou apolítica, portanto. A decisão do cientista ou da universidade em executar seu labor e em empenhar seu conhecimento com vistas à equidade é um posicionamento, é um certo tipo de Engenharia, no entanto, que não é necessariamente praticada por todos – e por seus respectivos países –, principalmente no âmbito global.
O viés sociopolítico, então, se confirma como dominante na proposta, conforme o texto IV também aponta. A lógica democrática se coloca como soberana na proposta no sentido dos ideais que devem – ou pelo menos deveriam – guiar o “bom” engenheiro. A partir disso, o item IV disponibiliza áreas possíveis de serem abordadas com a intersecção Engenharia (inteligência), Justiça (Democracia) e Sustentabilidade: “mobilidade urbana, saneamento básico, seguridade alimentar, gestão energética e tratamento de resíduos, segurança e prevenção de desastres” – dominando a área da sustentabilidade energética ao longo da prova, quantitativamente. Mais do que simplesmente afirmar esse ideal tríplice, contudo, era necessário refletir criticamente sobre o motivo pelo qual a engenharia hegemônica já não se volta para esses pilares e entender que não se faz ciência ou que não se produz tecnologia se elas não forem financiadas ou visadas pelas grandes nações. Segundo o texto, os seres humanos e o bem-estar coletivo devem ser o foco de tal tripé, porém, no sistema atual, fomentador de desigualdades, da exploração ambiental e da concentração e acúmulo de renda, isso não é possível de forma majoritária.
Por fim, os textos V e VI recortam o escopo político para o Brasil por meio das motivações para se abrir um novo campus do ITA com a introdução de um curso inédito – a Engenharia das Energias Renováveis –, assim como o texto do enunciado já expunha em seu preâmbulo. Esse motivo é a resolução de um aparente paradoxo social brasileiro: “Apesar da notável diversidade da matriz energética do Brasil, a distribuição equitativa desse recurso essencial continua a ser um desafio persistente e significativo”. Como uma liderança política pode agir em prol da resolução desse problema? A valorização da ciência por meio do investimento no Ensino Superior público com valores éticos parece ser um desses caminhos. Logo, a criação e estabelecimento do novo curso e campus do ITA confirmam, de forma similar aos textos anteriores, que apenas com ética e reparação social, a engenharia consegue contribuir para um mundo justo e sustentável. Ainda, nota-se que uma ciência sem propósito de justiça não consegue dar conta de estabelecer metodologias eficientes de indicadores e definições que contribuam para uma solução tecnológica e politicamente aplicável. Logo, a sustentabilidade sem fins democráticos, sem fins políticos de igualdade, é mero discurso alienante.
Um dos físicos atuais que defende essa visão mais ética e sustentável acerca da ciência é Marcelo Gleiser. Em seu último livro, o físico, tal qual o filósofo Hans Jonas, defende a responsabilidade científica para com o meio ambiente e para com a justiça social. Além disso, vale destacar a visão do filósofo e escritor indígena Ailton Krenak, o qual, ao colocar uma posição originária e decolonial, também defende esses valores interseccionados entre natureza e seres humanos. Os três autores, então, concordam que o meio ambiente foi simbolizado como objeto de exploração, commodity, o que afasta o ser humano de uma relação sustentável e respeitosa com ele, tão parte do mundo quanto os indivíduos.
Análises históricas também seriam válidas e relevantes: desde o entendimento de como a colonização estabeleceu um modo de exploração e de inferiorização dos recursos naturais e dos povos que a valorizam – justamente os que mais sofrem em crises ambientais por sua posição vulnerável até hoje – até sobre como as revoluções industriais consolidaram os valores e estruturas capitalistas, tornando cada vez mais dificultosa a criação de políticas públicas ou mesmo de iniciativas que sejam contra a alta exploração com fins de alta produtividade e alto consumo. Isso corroborado por uma indústria cultural cada vez mais alienante, que busca culpar o indivíduo e suas atitudes pela devastação ambiental, ao mesmo tempo em que o estimula cada vez mais ao consumo; enquanto, por outro lado, como a própria proposta deixa claro desde seu enunciado, na verdade, a questão é global e política, envolvendo instituições como a ONU e o G20.
Caberia, em suma, ao candidato crítico entender que o valor ético não é uma mera ou simples decisão. Histórica, social e economicamente, o sistema coage os indivíduos a partir de suas estruturas, mecanismos e valores à alienação. A prova do ITA se coloca, dessa forma, como ilustrativa de uma instituição pública que persiste criticamente guiada pela ética, justiça e engajamento sustentável, cobrando de seus candidatos uma postura similar. Pouco vale o conhecimento aplicado ao interesse de poucos, à destruição do planeta e à futilidade.
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