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Leia o texto a seguir para responder às questões de 1 a 4.
Carta para o Brasil
10 de setembro de 2020.
Caro Brasil,
Das minhas muitas viagens à América do Sul, nunca tive a oportunidade de
5 visitar você. A maioria delas teve como destino a Cordilheira dos Andes, com o
objetivo de observar o magnífico céu do hemisfério sul através de telescópios de
alta tecnologia de um consórcio internacional. Mas, mesmo assim, tenho pensado
em você com bastante frequência.
Como nativo dos Estados Unidos da América, sei em que costumamos
10 pensar quando se trata de você. Não seguindo uma ordem específica, você
possui a maior e mais importante floresta tropical do mundo. Você abriga o maior
rio do mundo, que, a cada minuto que passa, escoa para o oceano Atlântico
um volume de água que daria para encher um estádio de futebol. E, sim, nós
sabíamos da existência de seu rio e de sua floresta tropical muito antes de a
15 Amazon.com1 pegar o nome emprestado.
Quer mais? Não há quem não goste de castanha-do-brasil2. Na verdade,
nos EUA, nós precisamos pagar pelo pacote “premium” para que elas venham
incluídas em nossos mix de castanhas. E mesmo aqueles de nós que quase
não acompanham futebol sabem da existência de seus times famosos, ficando
20 na maior expectativa de ver você na final da Copa do Mundo a cada quatro anos.
Também sabemos das suas praias deslumbrantes pelas músicas que as cantam
— a “Garota de Ipanema” sendo uma delas. Sabemos de suas festas populares,
principalmente o Carnaval, e tentamos imitar a intensidade e a alegria dessas
celebrações — com dança e música — aqui no nosso hemisfério. Sabemos
25 do seu café. E eu, particularmente, amo a sua bandeira. Há um pedaço do céu
noturno estampado nela; mais de duas dezenas de estrelas retraçam constelações
autênticas, incluindo o Cruzeiro do Sul. Então, se você perguntasse a qualquer
um de nós nos EUA o que vem à nossa cabeça quando seu nome é mencionado,
normalmente selecionaríamos algo a partir dessa lista.
30 Você sabe do que nós não nos damos conta? Metade das vezes que
embarcamos em voos domésticos, da American Airlines ou de outras companhias
aéreas, viajamos num avião da Embraer. Tudo bem, o folheto com instruções de
segurança traz impresso nele o nome Embraer. Nós podemos até achar Embraer
escrito em letras miúdas em algum lugar da fuselagem. Mas quase nenhum de
35 nós sabe que a aeronave é projetada e fabricada no Brasil. Você poderia alardear
“Tecnologia Brasileira”, mas não o faz. Por que não? A Alemanha não hesita em
se gabar da dela. Nada mais justo, claro. Todo mundo conhece a qualidade dos
produtos fabricados na Alemanha, que, por sua vez, permeiam sua economia
aeroespacial, a terceira maior do mundo.
40 Mas, espere. Um dos grandes pioneiros nos primórdios da aviação era
brasileiro. Engenheiro brilhante e inventivo, altamente condecorado, Alberto Santos
Dumont liderou a transição mundial do transporte aéreo mais leve que o ar para o
mais pesado que o ar. O valor de uma semente cultural como essa, plantada no
nascimento de uma indústria, é incalculável. Um século depois, você se tornou
45 líder em tecnologias de biocombustíveis — um passo fundamental em direção
a uma economia verde onde nossa harmonia com a natureza vai determinar se
iremos prosperar, sobreviver ou nos extinguir. Você também possui uma ambiciosa
agência espacial, além de ser a sexta maior indústria aeroespacial do mundo. Na
América Latina, você também é líder em Tecnologia da Informação. E num país
50 famoso por sua agricultura, quase um terço de sua economia se apoia num setor
produtivo impregnado de tecnologia.
Então talvez seja a hora de o mundo saber mais a respeito disso. Talvez seja
a hora de os brasileiros saberem mais sobre isso. Talvez esteja mais do que na
hora de você exibir produtos que declarem: “Fabricado no Brasil.”
55 Seja o que mais for, ou não, verdade no mundo, as economias de crescimento
do futuro — mesmo as que possam ser puramente agrícolas — vão
girar em torno dos investimentos feitos hoje em ciência, tecnologia, engenharia
e matemática. Numa democracia, esses investimentos fluem de um eleitorado
letrado cientificamente, que elege líderes esclarecidos e que entendem o valor
60 da educação, das pesquisas e das descobertas. Sem essas perspectivas, ainda
estaríamos vivendo em cavernas, com alguns de nós resmungando: “Você não
pode explorar o mundo exterior. Primeiro precisa resolver os problemas da nossa
caverna.”
Para que ninguém se esqueça, o primeiro (e único) astronauta sul-americano
65 foi um engenheiro aeronáutico brasileiro. E quando se deu o lançamento de sua
missão? Em 2006, ano do centenário do primeiro avião bem-sucedido de Santos
Dumont. E o que ele levou para o espaço? Uma bandeira do Brasil e uma camisa
da seleção brasileira de futebol.
Os países que mais passam por dificuldades no mundo tendem a ser aqueles
70 com baixos níveis de instrução e com ausência de STEM³ em sua cultura. Você
tem os recursos e o legado para liderar toda a América Latina, se não o mundo, no
que um país do futuro deveria ser — no que um país do futuro deveria aspirar ser.
Se você abraçar e apoiar suas indústrias STEM — e o setor de tecnologia
inteiro — então os sonhos dos alunos em toda a cadeia educacional não terão
75 limites, conforme eles forem introduzidos num mundo em que foguetes são o que
alimentam as ambições das pessoas que saem pela porta da caverna.
Atenciosamente,
Neil deGrasse Tyson
Fonte: TYSON, Neil deGrasse. Respostas de um astrofísico. Tradução de Nicolas Pettengill; revisão
técnica de Alexandre Cherman. 1. ed. Rio de Janeiro: Record, 2020. Recurso eletrônico disponível em:
https://neildegrassetyson.com/letters/2020-09-10-letter-to-brazil/portuguese-version.
1 Amazon é a palavra em inglês tanto para Amazonas, quanto para amazônica.
2 Também chamada de castanha-do-pará.
3 STEM e a sigla em inglês para Science, Technology, Engineering e Mathematics (Ciência, Tecnologia,
Engenharia e Matemática).
Historicamente, a carta é um dos principais meios de comunicação interpessoal; ela pode conter mensagens pessoais, profissionais, intelectuais e até constituir-se uma forma de comunicação artística. Esta carta do astrofísico americano Neil deGrasse Tyson não foi escrita para uma única pessoa, mas para um país inteiro. Sua abordagem personifica o país ao tratá-lo por “você”, principalmente nos primeiros parágrafos, mas vai paulatinamente desenvolvendo uma abordagem argumentativa. Tyson já apresentou vários programas de televisão; é um autor reconhecido na divulgação e popularização da Ciência e sua carta ao Brasil, publicada no lançamento de seu livro Respostas de um astrofísico (2020), representa suas convicções.
Para estabelecer seu vínculo com o leitor brasileiro, o autor se vale, predominantemente, de
Argumentos de Autoridade, uma vez que seu lugar de fala é o de um astrofísico reconhecido, com acesso a espaços e tecnologias de alto desenvolvimento, como atesta suas frequentes visitas à “Cordilheira dos Andes, com o objetivo de observar o magnífico céu do hemisfério sul através de telescópios de alta tecnologia de um consórcio internacional”.
Argumentos de Analogia, comparando o Brasil a outras grandes nações e incentivando-o a superá-las com seu potencial produtivo e criativo, como se lê em “Por que não? A Alemanha não hesita em se gabar da dela. Nada mais justo, claro.”
Argumentos de Prova Concreta, em que se apresentam dados históricos e estatísticos para demonstrar a grandeza do Brasil e a importância de se consolidar como nação científica, como se vê em “Na América Latina, você também é líder em Tecnologia da Informação. E num país famoso por sua agricultura, quase um terço de sua economia se apoia num setor produtivo impregnado de tecnologia.”
Argumentos de Senso Comum, uma vez que o autor parte das ideias populares que o imaginário estrangeiro usa para retratar o Brasil, como a biodiversidade, o futebol a Bossa Nova, como se lê em “Como nativo dos Estados Unidos da América, sei em que costumamos pensar quando se trata de você.”
Argumentos de Causa e Consequência, uma vez que demonstra que, investindo um pouco mais em propagandas nacionalistas e de autorreconhecimento, “então os sonhos dos alunos em toda a cadeia educacional não terão limites.”
O argumento de prova concreta, consensualmente associado a exemplos objetivos, como dados históricos e estatísticos, é utilizado para validar uma tese, sobretudo em textos dissertativos. Na carta aberta de Neil deGrasse, esse recurso é amplamente empregado quando o autor recorre a exemplos da economia brasileira para, em seguida, sustentar a imagem de um país forte e capaz de se tornar uma liderança mundial. Assim, essa estratégia de desenvolvimento estabelece um pacto de proximidade com o leitor brasileiro, validando a intenção do autor em criar um vínculo com o interlocutor.
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