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Para responder às questões 29 e 30, leia o trecho do ensaio “O eterno retorno do mesmo: tese cosmológica ou imperativo ético?” da filósofa brasileira Scarlett Marton.
E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: “Esta vida, assim como tu a vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes; e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indizivelmente pequeno e de grande em tua vida há de retornar, e tudo na mesma ordem e sequência — e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez — e tu com ela, poeirinha da poeira!” — Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasse assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderias: “Tu és um deus, e nunca ouvi nada mais divino!”.
Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse; a pergunta, diante de tudo e de cada coisa: “Quero isto ainda uma vez e ainda inúmeras vezes?” pesaria como o mais pesado dos pesos sobre teu agir! Ou então, como terias de ficar de bem contigo mesmo e com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?
Assim escreve Nietzsche na Gaia ciência. É na forma de um desafio que introduz, em sua obra, a ideia do eterno re-torno. Ao enunciar o que ele mesmo pensa a respeito, toca em dois pontos que se tornarão recorrentes em seus textos: a repetição dos acontecimentos e o movimento circular em que a mesma série de eventos ocorre. “O mais pesado dos pesos”, título do aforismo de Nietzsche, diz respeito às consequências psicológicas que o pensamento do eterno retorno pode acarretar. Afinal, o que ele provocaria em nós? Constituiria motivo de júbilo ou razão de desespero? Diante dele, como nos comportaríamos? Nós nos lançaríamos ao chão e rangeríamos os dentes? Ou abençoaríamos como portador da boa nova quem dele nos falasse? Mas qualquer atitude que viéssemos a adotar não nos libertaria do fardo que, desde então, pesaria sobre nosso agir.
(Adauto Novaes (org.). Ética, 2007. Adaptado.)
a) Quais são os referentes do pronome “eu” e do pronome “Tu” sublinhados no primeiro parágrafo?
b) Que recurso retórico é empregado reiteradamente pela filósofa brasileira no final do terceiro parágrafo? Com qual fina-lidade ela o emprega?
a) Tanto o ‘eu’ quanto o ‘tu’ em destaque no texto fazem referência ao demônio. No primeiro momento, o ‘eu’ faz parte da fala desse personagem, referindo-se a si próprio. O ‘tu’, por sua vez, faz parte da fala de uma pessoa que supostamente estaria conversando com o demônio, chamando-o de ‘tu’.
b) O recurso retórico empregado no final do terceiro parágrafo é a pergunta retórica. Esse recurso é utilizado para provocar reflexão no leitor, questionando as atitudes que poderiam ser tomadas diante do pensamento do eterno retorno, sem buscar uma resposta direta.
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