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TEXTO 2
Espírito olímpico
Comédia da vida pública
Luís Fernando Veríssimo
O espírito olímpico morreu, ontem, em Munique. Vinha agonizando há anos, mantido vivo com doses maciças de boa vontade e dissimulação, mas ontem acabou de morrer. As Olimpíadas talvez continuem; o Espírito Olímpico só sobreviverá como um grotesco monumento à hipocrisia e ao faz-de-conta. Na verdade está morto. (...)
O ideal olímpico é o ideal do espectador, do descompromisso com a História. De acordo com o espírito olímpico, a História é um relato da imperfeição humana, e o Homem é muito mais do que a história das suas crises. Quando a História exigia o compromisso subolímpico da espécie – como nas guerras – as Olimpíadas eram suspensas. A aristocracia européia tirava férias até que o Homem voltasse à Razão. Isso nos tempos em que a crise era localizada e a História tinha prazo fixo para dar seus pulos. Numa época de revolução permanente, o Espírito Olímpico persiste como uma mentira, uma insistente e oca declaração da nossa inocência. Como diz aquela piada, que fica cada vez mais amarga com o passar do tempo: se você consegue manter a cabeça quando todos à sua volta estão perdendo a sua, é que você ainda não se deu conta da situação... Hoje não existem mais distâncias num mundo a jato, e a pirataria tem seu primeiro renascimento desde o tempo das caravelas. As fronteiras nacionais já não significam muita coisa, e o seu desaparecimento só serve para revelar com maior violência as verdadeiras fronteiras que dividem a raça humana. Em Munique disputavase a primeira Olimpíada totalmente computadorizada da História, mas sua principal notícia fala de coisas anacrônicas como reféns, morte por grosseiras armas de fogo, comandos, ultimatos suicidas, o homem mais distante do que nunca da razão e da organização eletrônica. De certa maneira, o mundo, hoje, recupera ao mesmo tempo que desmente o ideal olímpico. As fronteiras foram vencidas, mas o Homem continua o mesmo. A comunidade mundial é possível, mas o mais que ela consegue é dispersar a crise por todo o mundo. Não existem mais países neutros. Ninguém mais é imune. O espectador morreu, ontem, em Munique.
06/09/72
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